19/05/2010

Pra quem quer nos compreender

Manual de compreensão rápida da mulher -
Capítulo 324, parágrafo 96, versículo 853: a bolsa feminina.

Não há mulher que não carregue uma bolsa, por mais discreta que seja. É um hábito de explicação antropológica simples. Lá na Idade da Pedra os homens eram caçadores; as mulheres, catadoras e coletoras. Então não filosofe demais, simplesmente entenda assim: a bolsa feminina é um utensílio fundamental para a mulher cumprir seu papel na história humana.

Mas, atenção, apesar de ser um instrumento originalmente de trabalho, não nos mande catar raízes e frutos para o almoço, a vida evoluiu. A bolsa hoje faz parte da nossa personalidade. E você também não precisa matar javali pro jantar.

Entenda por que andamos com essa coisa a tiracolo, grudada no corpo como bebê em fase de amamentação. Ela tem nome, e será tão defendida quanto nossa melhor amiga. Então não chame uma bolsa feminina de sacola, seu primata desorientado. Você não gostaria que chamassem seu calibre 38 de tacape.

Observe por aí: a tendência moderna traz a incrível, maravilhosa e enorme maxibag. As maxibags são praticamente cavernas! Ali dentro cabe tudo, até a pia da cozinha. As bolsas pequenas obrigam a mulher a escolher entre levar o batom ou a chave de casa, e ela carrega – óbvio - o batom. Nas maxibags entram batons de três tons, o gloss e toda linha de cosméticos, o secador de cabelo, escova de cerdas de alce canadense, pílulas de vitamina e afins, creme hidratante para mãos secas, uns carnês, algum casaquinho para o caso de esfriar, e ainda dá pra acomodar o celular (inclusive o seu). O problema é quando toca o celular e temos que mergulhar dentro da bolsa. Há o risco de se espetar no alicate de unhas ou topar no ferro de passar roupa que deixaremos no conserto no dia seguinte.

Dá pra imaginar também o grau de invasão que é mexer na nossa bolsa? Abrimos facilmente o coração, abrimos espaço na agenda apertada, podemos até abrir as pernas sem maiores delongas, mas as bolsas, não, não e não. Não ouse entrar na intimidade das nossas bolsas sem ser claramente autorizado. Podemos ficar primatas de repente e atacar com as unhas (vermelhas, claro, que a evolução trouxe novidades e cores).

Você finalmente haverá de nos perdoar, então, por gastarmos um troco além do razoável para ter várias bolsas, de diferentes cores, tamanhos e materiais. Sabe, quanto mais diversificado o estoque, mais marcante e intensa fica a nossa existência. É instintivo, precisamos estar quites com nossa porção pré-histórica. Posso imaginar a mulher paleolítica arrancando sorrateira e discretamente uns pedaços da cama de bambu do seu amado, para cerzir uma nova bolsa esportiva e ecologicamente correta. Deveria ser perdoada.

Acaso instinto primitivo tem a ver com razão? Não venha agora, após seiscentos mil anos, questionar a importância das nossas bolsas. Há um mundo ali dentro e uma história por trás. Use seu raciocínio masculino objetivo e evoluído e simplesmente aceite. Já aproveite pra guardar ali sua carteira. Mas de olhos fechados. E com cuidado pra não se machucar no estilete que deve estar num dos compartimentos da esquerda.

Tatiana Druck
Crônica - 2o lugar Concurso Mário Quintana 2009

Um comentário:

  1. Pelo visto, não fazia muito sentido o que diziam os ladrões das histórias em quadrinhos ("a bolsa ou a vida!"). A bolsa parece ser a vida, inseparável dela - ou, pelo menos, um resumo, uma vida concentrada. Uma selfie, só que mais reveladora, mais complexa, com mais camadas (e bota mais camadas nisso).

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