30/03/2011

Era Uma Vez em Garibaldi...




E viveram felizes para sempre. No pântano. The end.


Poderia ter sido assim o final feliz do casamento de Denise Flores e Marcelo Basso, mas foi uma polêmica só. Levaram advertência da Igreja Católica, saíram como noticia na mídia internacional, tiveram que conceder entrevista no meio da lua de mel. Esse casamento já começou um inferno. Mas desconfio que a confusão toda não tava prevista no script, mesmo sendo um casamento assim, do tipo dreamworks animation. Vai ver só o que faltou foi Andrew Adamson para dirigir melhor a cena, que o espetáculo não era de todo mal, que tinha um recado profundo no enredo, ah, tinha.



Indagada sobre os motivos da pitoresca invenção, a noiva explicou mais ou menos assim: Shrek e Fiona, embora sejam ogros e feios, têm coração. Eles encontraram o amor sem preconceitos. São personagens com atitude. Eu sei que não convenceu à maioria, mas eu gostei da resposta e da atitude provocativa do casal. Quem não quer que o casamento seja um conto de fadas? Ser feliz para sempre com seu amor, no pântano, no deserto, nas montanhas, na cidade grande, seja lá onde for? Eis a questão: todos que casam querem a felicidade eterna, mas poucos assumem realmente que a felicidade do casamento é ficção. O amor dá trabalho. Relacionamento dá trabalho. Shrek e Fiona (os do filme) encararam o desafio: diante dos olhos descrentes de todos (a começar pelos seus próprios) entenderam o amor.



Shrek era um ogro ranzinza e solitário por opção. Encontrou-se com Fiona por obrigação, não por escolha. O objetivo não era encontrar o amor, mas salvar o pântano da destruição. A missão que precisava cumprir para tanto era a de libertar a aprisionada Fiona, que na ocasião ainda era linda - uma princesinha! - e ele não gostou, o louco. Esmola demais para o santo. Shrek então seguiu seu propósito original, insensível à possível sedução de Fiona e, na estrada, os dois foram se conhecendo. Lá pelas tantas, literalmente sem querer, Shrek acabou tropeçando no amor e – ops - sentiu a pedra no caminho. Pareciam espécies tão diferentes, mas... surpresa! : apaixonaram-se. Shrek parou para pensar com o coração. Acho que isso não aparece na cena, mas pude vê-lo no filme fazendo contas: o quanto, e mais quanto, e mais quanto, iria ter que se incomodar pelo amor de Fiona. A escolha do amor dá trabalho. Mais que matar dragão. Ele não fez conta sem razão, não. Sabia o que teria pela frente e topou. Apostaram juntos. Lutaram contra adversários ferozes como o preconceito - okei, teve um pouco de dragão de verdade no meio da história, mas não conheço bicho mais assustador do que o preconceito. Venceram. Triunfaram com esforço de verdade, assumindo a decisão de se casar, embora Shrek não fosse propriamente um príncipe.

Voilá! Quer cena mais encantadora? Na vida real, longe de sermos personagens de conto de fadas. Come on, estaríamos mais para ogros do que para príncipes. Mesmo assim, o amor pode reinar. Para tanto é preciso acreditar com consciência. Não numa fantasia, numa idealização, num conto da carochinha, mas na história de verdade. Há que buscar as vantagens dela, driblando os desafios diários. Conto de fada  é antes de tudo um conto de - é crer num acontecimento do destino e, sobretudo, arregaçar as mangas pela causa.


Eu acho o animée de Shrek-e-Fiona bem mais real como exemplo de casamento do que o Príncipe Charles e a Lady Di (para usar um exemplo realmente real) que, aliás, teve carruagem e tudo. Esses casamentos arranjados, de interesse, não deveriam ser criticados pela Igreja? E os cheios de pompa, como o de Liz Taylor e Larry Fortensky, não mereceriam advertência pelo excesso de glamour? Por que os casamentos na praia, ou no campo, seriam menos sérios? Só pelo fato de não ter o templo como entorno? E o conteúdo, não vale? E a consagração do amor puro, onde fica nesses casos?



Ainda: se esse casamento de março de 2011 tivesse acontecido no século XII, não teria sido um casamento medieval típico? Acho que o ritual escolhido pela cabeleireira e o empresário para a celebração do casamento foi também um santo recado para a igreja, para que regulamente com clareza a forma que exige à cerimônia religiosa do casamento, visto que repreendeu a manifestação atípica do casal, considerando-a “constrangedora”. Não vale deixar a questão para o bom senso num mundo de movimentos tão espontâneos e livres. Se há punição ou repressão, tem que haver regras a propósito. Fico perdida: Bispo vestir túnica com estola e Papa usar casula bordada a ouro e capacete enorme e esquisito, pode? Um pretinho básico atenderia melhor a simplicidade recomendada à vestimenta.



 
Sei que quando entra religião no assunto tudo fica mais complicado, preso a dogmas e, por que não, condicionado a pré-conceitos. Eu respeito, ou melhor, entendo. Talvez seja mais fácil para mim, que sou laica, pensar que minha religião é o Amor e achar que Deus quer apenas que sejamos felizes. Que não importa como, onde, muito menos o que estaremos vestindo nos momentos de felicidade. Soa-me mais natural pensar como Shirley Maclaine aceitando que “sou feliz várias vezes ao dia”. Felicidade pra mim é isso: é o prazer que encontramos aqui e ali; é a paz de saber que estamos quites com nossos propósitos; é a liberdade das escolhas.


De qualquer forma, ou - vá lá - de forma estranha, Denise e Marcelo se escolheram e escolheram celebrar o casamento. Assumiram o amor e suas conseqüências. Capricharam no capricho: convenceram padrinhos, pajens, convidados e até o Padre a aceitarem sua vontade de encenar os personagens de um filme de Hollywood. Todos entraram em cena. Foi inédito, foi lindo. E nem era num reino Tão Tão Distante. Era ali em Garibaldi. Pode não ter dado bilheteria, nem Oscar, mas deu pano pra manga -bufante.

18/03/2011

Dia Internacional do Sono

Acordei tipo assim, meio sonolenta.
Levantei trôpega e fui fazer café, caminhando pela metade - a alma seguiu deitada na cama, pedia uns minutinhos mais de soneca. Em ato de solidariedade voltei e ajeitei o despertador para às 6:20h, apaguei a luz do abajur, cobri minha alma com edredom leve e sussurrei baixinho: Fique, fique mais um pouquinho na cama, hoje é o Dia Internacional do Sono.

Então caminhei em passos muito suaves para a cozinha, o corpo esvaziado de qualquer consciência, buscando automaticamente o cheiro do café preto como quem procura o seu próprio sentido.             


                         

12/03/2011

Dia Nacional do Bibliotecário

NA BIBLIOTECA                                                           
(Tatiana Druck)



Escolha suas opções
entre histórias, sonhos, mapas, poesia, canções
guia, manual, minutas, roteiros, dicionário
e consulte o sábio bibliotecário
com práticas recomendações

A biblioteca é mundo infinito
labirinto de letras
calendário asteca
conglomerado de cidades
um caleidoscópio de múltiplas verdades


Biblioteca é templo ecumênico, é retiro, é recanto,
Meca, casa de todos os santos,
castelo de boneca


Não há proibições, só encontro
com diferentes crenças e muitas gerações
- livros são motivos
convites vivos para realidades e ficções


Lembrete de cabeceira:
De segunda à sexta-feira
a biblioteca tem produtos na prateleira
sem prazo de validade.



09/03/2011

Quarta-feira-de-cinzas

                     DESENREDO DE SAMBA

Nem rugira o leão da cuíca
e despencou-se a fantasia
tipo planta de outono
- caiu bamba aos poucos

A ala rodou a baiana antes da hora
alegoria pareceu velório
o samba virou rumba mais cedo

Em meio a rumores esparsos
saltimbancos tomaram o asfalto
frieza fez par com o medo

Ouviu-se um “shhh” de segredo
e garis saltitantes se encarregaram do resto:
a limpeza das calçadas

Bailarina tirou o sapato
observou seus pés de palhaço
de duas cores

Nem rugira o leão da cuíca
e ela partiria lentamente
como cinza ao vento

Antes de deixar o aquecimento,
sacudiu o tule, espanou os ombros
e ao ouvir que o ronco da cuíca começava

expulsou da avenida larga das suas costas
todas as mulatas que a habitavam
e também aquela passista de voz embargada

que exigia respostas

08/03/2011

Dia Internacional da Mulher

PARADO XX O
(Tatiana Druck)



Que mulher somos?
um dia certo no mês de março
e um ano todo para cuidar dos nossos
olhos, filhos, afetos, trabalhos e desmaios
ao longo do calendário

Que mulher nos resta de brinde                        
ou contingência
ou garantia
ou ganância

malabarista, puritana, ativista, madame, mundana
erudita, sensual, cibernética, espiritual
eclética, cansada
coca light, whisky sem gelo,
baba de moça, chá de jasmim

Que mulher tocou pra mim, afinal -
a que abraça o mundo ou a de mãos atadas?

Que mulher somos?
Assopramos feridas,
viramos de ponta cabeça,
reviramos lixo,

com DNA maiúsculo de bicho
e um H pra lá de humano.

07/03/2011

Leituras de Mundo

Foi muito generosa a resenha e crítica feita pelo jornalisra e mestre Romar Beling na Gazeta do Sul e também a postagem no seu blog: Leituras de Mundo (http://www.gaz.com.br/blogs/leiturasdemundo/posts/3297-par_e_impar.html).
É com impulsos generosos como este que o autor estreante leva adiante a lapidação da sua arte bruta.

Par e ímpar, de Tatiana Druck. Porto Alegre: Mecenas; TAB Editora, 2010. 115 p.
O Par e ímpar configura a estreia de Tatiana Druck na poesia. E há no livro tudo o que rima com a melhor literatura. Carioca radicada em Porto Alegre, mereceu, a título de apresentação, palavras elogiosas de Luiz Coronel e Cíntia Moscovich – é egressa das aulas de criação literária do curso que Cíntia ministra. Mas nada é mais contundente do que seu próprio verso para confirmar a eficiência do seu radar na prospecção do mundo interior. Tatiana brinca, ousa, desarma, e de novo arma; a poesia tem, entre outras tantas virtudes, a delícia de subverter lógicas no amor, na dor, no desenraizamento, na arrogância. Onde a palavra poética reina, toda certeza e toda tristeza vivem sua quarta-feira de cinzas; a teoria é esquadro, a realidade é mão livre. Um drops, o poema Esboço: “Abriu a caixa / saiu da casa / perdeu o chão / quebrou a asa / pisou em vão / disse que sim / disse que não / pensou em esquadro / e rabiscou à mão”.