23/04/2011

Coelho da Páscoa não existe

leaofechandoos olhos

Que saudade do tempo em que eu era um pingüim!

Naquele trabalhinho da 2ª série estava respondido em garatujas, mas parecia sério: “Com que animais sua mãe se parece? Minha mãe é um pingüim porque me esquenta muito; ela também é um tigre porque é braba e corre bem; é uma coruja porque me cuida quando estou dormindo. E é um polvo porque me abraça demais.” Guardei a prova para quando minha filha ficasse maior e me visse com outros olhos.

Pois o tempo passou e – bingo! - hoje em dia sou um típico jumento, às vezes uma víbora, na maioria das ocasiões, ameba. É isso mesmo, a adolescência chegou à minha casa. Aos poucos se adota um dialeto estranho, do tipo “quem mocou meu tênis na tulha”? Ou: “não pilho de jantar agora” e, confesso, eu mesma me pego exclamando “alcança esse bagulho aí” (comunicação é a lei da selva). O habitat em casa está visivelmente diferente: skates pelo chão, rock em alto volume (veja bem, não estou falando de Mozart), e pizza de manhã. Uma selvageria.

Mas eu seria uma anta se achasse que está tudo errado. Lembro bem de quando completei treze anos e troquei a foto dos meus pais do porta-retrato: coloquei minha adorável hamster Bianca. Uma pequena atualização nos referenciais (oh, mundo cão, eu não sabia que meu dia também chegaria!). Fui mais espírito de porco ainda: pendurei um pôster dos roqueiros malucos do ACDC na porta de fora do meu quarto. Era o mesmo que uma placa de “Não Entre”, apenas ilustrada. Quem duvida da clareza do recado? Nunca entre. Nem batendo antes.

Eu sei como funciona a fase adolescente e não chego a me assustar, porque ela passa. (A propósito, tem vezes que dá vontade de ser um camaleão, mimetizar uma bromélia de sombra e ficar bem quietinha, esperando a adolescência ir embora).

Sábia e rápida é a mãe-salmão, eu vi no National Geographic Channel: põe seus ovos sobre um ninho de pedregulhos e, em ato contínuo, recosta-se docemente para morrer no fundo do mar. Ali termina a missão da mãe-salmão, logo no início da maternidade. Ela não fica para ver seus filhos recusarem um beijo de manhã ou para ouvir-lhes sentenciar que sua técnica de subir a correnteza já está ultrapassada há mais de um século. Como não sou espécie assim evoluída, ainda opto com alegria pela maternidade italiana tradicional: filhos sentados em bando à mesa, todos falando ao mesmo tempo, e de boca cheia.

Tem muita coisa “animal” na adolescência. Mas o que me choca nessa ebulição de hormônios é a inversão abrupta das referências dos pais-heróis: o forte tigre de repente vira um moscão tonto e não há muito o que fazer a respeito. Adultos não sabem das coisas e não fazem parte da matilha. Menos ainda se forem da espécie “pais”.

Então, durante a adolescência, esqueça a cena da galinha com os pintinhos embaixo das asas, eles vão passar a Páscoa “com a galera” em Atlântida. Foi-se a época do abraço de urso matinal. Pais serão ouriços do mar por algum tempo.

Parece que sobraremos eu e a gata, aos domingos, na frente da TV, de pantufas. Eu lhe farei cafuné e ela me fará companhia. Na vida animal é assim: quem não tem cão caça com gato.


PS: procurou coelho da páscoa nesse texto? Já disse, não existe. É mais uma dessas ilusões da vida. Feliz Páscoa!

10 comentários:

  1. Tatiana,
    O tema pode ser triste - embora eu esteja rindo - mas o texto está esplêndido! Curte a gata, quando menos esperares estarás curtindo filhotinhos - os netos! A vida passa depressa demais!
    Um abraço
    Dinorah

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  2. Dinorah, querida, eu nem acho assim triste, triste. É só mais uma das constatações da vida. Ademais, tenho um gatão muito presente me acompanhando nos momentinhos de frustração. Reclamo de barriga cheia, só pra fazer graça da vida! Beijo eijo eijo.

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  3. Querida, como sempre 10!
    Quanto à adolescência dos nossos pimpolhos, às vezes temos que ficar como os cachorrinhos bem educados: quietos no nosso canto esperando que nos chamem. E, quando nos chamam, quanta alegria!!!
    Carinho e beijo

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  4. É isso aí, Maria Lúcia, um dia é da caça e outro do caçador. E a gente agora piando fininho... aaafe.
    Beijo!

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  5. Olá, darling Tati!

    Fui teu colega do curso do grande Carpinejar, do "O Amor Não é Clichê", lembras?
    Pois, antes de tudo, estou passando pra dizer que tenho admirado e muito os teus textos. Sobretudo porque trabalha muito bem a questão das "confissões" tão trabalhadas em aula pelo Fabro.

    Me identifiquei direto com o teu texto do "Serial Killer". A ideia de se ter sempre à espreita um arma acho formidável!!!
    Como grande atrativo da tua narrativa, considero a tua sinceridade um charme, uma "carta na manga" pra tornar o teu texto mais verossímel e carismático. Parabéns e que futuramente o RS nos brinde com mais uma grande escritora como vc.

    Abraço, André Nocchi.

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  6. Eh Tati, isso aí,
    e eu com um pé lá e o outro cá: de um lado uma que já começa a dar sinais de bicho desses aí que descreves tão bem, do outro um que não me deixa dormir à noite! La dolce vita! beijos

    Maria

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  7. Excelente! Aliás, esse blogue já tá ficando monótono. Dá pra fazer a gentileza de escrever alguma coisa ruim pra gente poder falar mal? Beijo, querida. Parabéns...de novo.

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  8. Tati,
    Estou lhe lendo pela primeira vez,
    fantástico, maravilhoso.gostei muito
    Parabens,
    Evandro

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  9. Tati, ja conhecia teu talento literario, mas tua capacidade de descrever a adolescencia foi uma surpresa muito divertida. Duplamente alias. Lembrando a minha adolescencia, vivida muito proxima da tua no colegio, e me preparandp pra quando a da minha filha chegar.

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  10. Maria Lúcia, André, Maurício, Evandro, Andrea, que bom que vocês curtiram!
    Esse espaço aqui é informal, para amigos. Sejam bem-vindos!
    Tatiana

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