28/06/2015

BONITOS POR NATUREZA

“Moro num país tropical,
abençoado por Deus
e bonito por natureza,
 mas que beleza.
E em fevereiro tem carnaval”

    

Sem sofrimento, pessoal. A gente já sabia. Para ganhar qualquer Copa hoje em dia o futebol brasileiro precisaria ter menos 'graça' e mais 'raça'. Raça é qualidade dos bravos, atitude de vencedor. E vai dizer: nosso povo é a coisa mais linda e mais cheia de... que?

Vencer exige a postura combativa dos sobreviventes. Dos que lutam para seguir de pé custe o que custar - como naquela fábula da mosca que cai no copo de leite e passa a noite toda batendo as asas até que amanhece sobre a nata dura. Vivinha da silva. Se a mosca vestisse a camiseta brasileira talvez não se desse ao trabalho, afinal, era apenas a sua vida.

Não esqueço a imagem de Álvaro Pereira da seleção uruguaia no jogo contra a Inglaterra na Copa de 2014: o cara desmaiou subitamente ao ser atingido por uma joelhada. Quando recobrou a consciência, viu que estava sendo substituído e, num rompante indignado, o charrua levantou trôpego e bradou de dedo em riste e exigiu sua permanência em campo. Negou-se a sair porque aquilo não era um jogo, era sua própria vida!

Observemos: o que faz Neymar quando perde um gol feito? Passa a mão na mecha loira e sorri com uma carinha fofa de deboche. A pátria maternal se compadece e acolhe a falha como um colo de vó - e vamos para o próximo lance, meu filho. Agora, me diga: você já viu o atacante Rooney sorrir? Nem no aniversário de um ano do filho, pode apostar. Concentração total. Como um guerreiro celta. Guerra é seu esporte.

Tenho uma tese empírica: o Brasil é um país mimado, o que se reflete no jogo bonitinho mas ordinário da nossa seleção – essa garotada que acha que dá pra colher sem plantar, vencer sem suar, driblar bonito e golear sem a chatice de marcar o adversário. Podemos até fabricar talentos, mas no fundo o Brasil canarinho gosta mesmo é do cocoricó. Como o galo, que não põe ovo, mas canta.

Eis o fundamento da tese: somos um país mimado pelas circunstâncias. Em nossa história não morremos de guerra, nem de frio, tremor de terra, tsunami, ou bomba atômica. Sobraria morrer de fome, não fosse o peixe em fartura no imenso litoral, a bolsa família do Brasil Carinhoso, a banana caindo do pé direto para a mão, a água limpa do côco. Por aqui, quem faz força é a gravidade. A gente faz é bossa, dança, graça e tudo mais que termine em som de pizza.

Observemos outros campos: Brasil é campeão mundial em quantidade de cesariana. Parto normal exige esforço e ainda dói. Melhor é alguém chegar na hora marcada e abrir a porta com bisturi, não é mesmo? E confesse aí: entre assistir debate político e um show do Zeca Pagodinho, fazemos o que? Entre protestar nas ruas por uma reforma tributária ou seguir o trio elétrico saltitando? Entre ir à assembleia de condomínio ou ver a novela das oito, hein?

Nós, brasileiros, combinamos mais com farra do que com garra. Rimamos mais com rede do que com sede. A gente gargalha mais do que batalha. Por outro lado, todos sabem que o brasileiro é alegre, afetivo, solidário, criativo, brincalhão, bom amigo. Não fiquemos decepcionados, são outros atributos e também têm seu valor.

A questão é preparar nossas expectativas compreendendo a história. Vai ver não nascemos para ser líderes, e sim para ser livres. Somos bonitos por natureza, não por esforço próprio. Temos graça, não raça, ora bolas. E entre ‘graça’ e ‘raça’, a raça é a que dá títulos.

Graça dá a festa. E aqui entre nós: a festa mais divertida que você já viu!!..

20/06/2015

JOGO DE VAIDADES


Tudo começou com Messi. Não. A rigor, acho que começou com a onda dos cabelos estilizados, brincos de brilhante e tatuagens. Foi quando o espelho ficou mais importante que a bola. Foi quando a nécessaire Armani de cremes e perfumes substituiu o sacolão Adidas de camisetas suadas. Foi aí. É. Foi.

Mas estou falando dessa última semana, então, nesse caso a jogada começou com Messi. Ele havia apresentado sua lista de exigências ao luxuoso hotel em que a seleção argentina se hospedaria no início da Copa América. Suas excentricidades incluíam três jacuzis, uma cesta de basquete no quarto e uma piscina a exatos 28ºC. Entre outros mimos. Bem verdade que não ordenou toalhas brancas sob seus pés a cada passo dado, como Whitney Houston. O rapaz é simples. Ocorre que acabou se apegando à cama do hotel Serena Suites e declarou que dali não sairia até o final da Copa, não importando se as partidas se realizassem a 600 km dali, como a de hoje, em Viña de Mar, ou mais. Vire-se com a logística, delegação. 

Depois foi a vez de Vidal, craque da seleção chilena que deu show de poder ao destruir sua Ferrari e mais três carros, embriagado, após noitada num cassino. Negou sua culpa num primeiro momento porque caso se reconhecesse como um ser humano pecador, o Chile seria imediatamente decapitado do mapa. Logo depois parece que tomou um chá morninho de humildade e entendeu que ele e a nação eram pessoas diferentes, cada qual com sua história e identidade própria. Pediu até desculpas ao povo. Agora vire-se com os danos dos carros, seguradora.


Então, Neymar. Depois de passar todo o jogo contra a Colômbia em TPM, estressadinho com cada falha em campo (e foram muitas), ao ouvir o apito final chutou seu descontrole para todos os lados e ainda aguardou o juiz para sussurrar-lhe arrogância ao pé do ouvido: “quer ficar famoso às minhas custas, seu fdp”. Um espetáculo de virilidade. Parece que até sapateou de chuteiras depois. Boa, Neymar - valeu 100 pontos na carteira e quatro jogos de suspensão. Agora vire-se com o recurso, CBF. 

E paramos por aqui porque a semana já está no fim. 

Saudade do tempo em que jogador de futebol era um atleta, pelo qual torcíamos. Ele lutava por nossos gritos e aplausos, não pelos holofotes da mídia internacional. Era atraído pelo gol e não por seu próprio umbigo. O ritual era simples: ajeita a chuteira, sorri para a bola, cospe no chão. Agora é diferente: ajeita o cabelo, sorri para as câmeras, cospe na nossa cara. E vire-se com a inversão, torcedor.


04/06/2015

O peso do amor e o colapso dos rituais


Bruno Juillard bateu de punho cerrado sobre mesa e acabou com a brincadeira: “é o fim dos cadeados!”, ordenou. “Estragam a estética da ponte, são estruturalmente ruins e podem causar acidentes”, foram as razões definitivas.
Então seguirá arrancando a fórceps (leia-se, a guindaste) as quarenta e cinco toneladas de juras de amor da Pont des Arts de Paris. 

Sabemos que o Amor não precisa disso. Nem de emblema, nem de amarras (muito menos). O amor, aliás, é leve e movediço. Antes flana sobre o Sena, em vez de ficar ali aprisionado em metal pesado.

Se eu fosse escolher alguma imagem como símbolo, seria a do Amor tomando um café com crème brûlée numa esquina qualquer de Paris, com um galouise sem filtro bem tragado depois – a fumaça espargindo aquele delicioso aroma de romance sobre o rio. Assim etéreo. Assim sentimental. E olha que eu nem fumo.

O fato é que o Ser Humano (esse sim) necessita de símbolos concretos. Vale tudo: figa, crucifixo, fitinha do senhor do bom fim. Quem não?  E somos adeptos a rituais. Toc, toc, toc. Ajoelhar e benzer-se. Pular sete ondas. Quem nunca?

Daí, Monsieur Juillard, que a questão não é assim tão só matemática. Tão só engenharia civil, entende? Precisamos materializar nossos sonhos e desejos através de metáforas criativas.

E não dá pra negar que as possibilidades estão reduzindo nesse mundo tão politicamente correto. Olha só: não se pode mais entalhar as árvores com o clássico coração, flecha e iniciais dentro (o Ipê, a Imbuia e o Jacarandá estão ambientalmente protegidos). Tatuar no peito o nome do ser amado fica bem difícil de apagar depois (... e que o amor é efêmero, bem, até os apaixonados desconfiam). Já aquela clássica oferenda da vela, pimenta, óleo de pitanga, arruda, sal grosso, mel, carvão e rosas vermelhas é meio trabalhosa - e se incluir galinha morta, então, a lei pega.

Assim, o artifício de selar as juras de amor com um cadeado sobre a ponte e jogar a chave no rio, parecia bem interessante – “não é o que os peixinhos dizem”, alguém alegará. E Juillard ainda acrescentará o pesado argumento da carga.

Está difícil ser romântico e correto ao mesmo tempo.

Assim, antes que sejamos consumidos pelo vazio metafísico nesse mundo já quase sem Deus, deixo aqui minha ideia de “cadeados reaproveitáveis”. Usei a estratégia numa ponte em Salzburg. E nem foi por consciência ecológica. Muito menos por cálculo estrutural. Foi por economia. Era ou um Cadeado em euros, ou uma Torta Sacher na schwarzstrasse. Preferi a opção mais calórica. Mas não abri mão da fezinha, deus-me-livre-e-guarde: escolhi um cadeado meio gasto entre os tantos já presos no gradil, e tasquei nossos nomes com caneta permanente por cima.

Evitei peso extra na ponte e metal no rio, veja que inspiração.


Se vai dar certo como mandinga, não sei. Mas está lá. Até que outro espertinho risque por cima. Ou que algum juillard austríaco, com frieza burocrática, ordene arrancar.