05/09/2015

NANA, NENÊ


Sshhhh, pronto, pronto, pronto. Agora vamos deixar o pequeno Aylan Kurdi dormir o sono dos anjos, num bercinho mais digno do que a areia dura e fria do Mediterrâneo.

Vamos guardá-lo na memória como símbolo angelical de uma absurda necessidade. Vamos. Precisamos niná-lo com bons pensamentos e sonhar com dias melhores. Porque outros refugiados virão.

Vamos torcer por mais corvetas como a da Marinha brasileira, que ontem resgatou 220 imigrantes perto do mar da Sicília, meio que por acaso. (Ou nada é por acaso?).

Vamos rezar por uma Europa (afinal tão experiente com o desespero da guerra) abrindo suas portas para os vizinhos.

Vamos festejar o plano do multimilionário egípcio Naguib Sawiris de comprar ilhas da Grécia e Itália para acomodar milhares de outras crianças que com suas famílias construirão uma nova vida em segurança e paz.

Vamos, imaginemos como Lennon: “It isn't hard to do /Nothing to kill or die for /And no religion too/ Imagine all the people /Living life in peace”.

Celebremos nas palavras da jovem poeta Carine Morais a crença de que todo anjo tem sua missão: “(...) Nadar e morrer na praia / era antes um dilema /passou a ter um rosto/ ou muitas faces refugiadas/ seus sapatos ainda nos pés/ calçavam a aparência/ de um pequeno anjo, / silenciado, / para que o mundo inteiro/ o pudesse ouvir”.

Vamos alimentar a fé de que aquele corpinho indefeso plantado no limite entre a areia e o mar era um verdadeiro divisor de águas entre a consciência e a solução.

Sshhhh... Agora vamos fazer silêncio que o menino Aylan precisa descansar.

Vá, anjinho colorido, siga agora com nossa mudez dolorida e com a necessária esperança de que nada, nada, nada acontece em vão.


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